A decisão sobre a aplicação da Lei da Ficha Limpa nestas eleições pode estar nas mãos de dois ministros do Supremo Tribunal Federal (STF): Ellen Gracie e Cezar Peluso, o presidente da mais alta corte do país. Nesta quarta-feira, a votação de um recurso apresentado pela defesa de Joaquim Roriz (PSC), barrado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), vai firmar o entendimento que poderá legitimar ou invalidar a medida. A candidatura de Rorizo ao governo do DF
foi impugnada porque ele renunciou ao cargo de senador, em 2007, para fugir a um processo de cassação. Foi flagrado negociando a divisão de 2,2 milhões de reais de origem suspeita. O caso é o primeiro do tipo a chegar ao plenário do STF.
Muitos ministros já se pronunciaram sobre o tema, e o prognóstico é indefinido. A possibilidade de empate é uma das mais mencionadas nos corredores do Supremo. De um lado estão os ministros Carlos Ayres Brito, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Joaquim Barbosa, que se posicionaram favoravelmente à aplicação da lei em casos como o de Roriz, já nestas eleições. De outro, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello, Gilmar Mendes e Dias Toffoli, tidos como votos contrários à aplicação da lei neste ano. O placar baseia-se em decisões dos magistrados no próprio STF ou no TSE. Se houver empate, Ellen Gracie e Cezar Peluso terão, portanto, papel decisivo na definição da corrente majoritária. O placar deve ser apertado.
O julgamento desta quarta-feira tem outro aspecto igualmente importante: o simbólico. O ex-governador é um exemplo de um grupo de políticos que, apesar da longa ficha corrida, se mantêm em atividade. A sessão também deve atrair a atenção de nomes como Jader Barbalho (PMDB), Paulo Maluf (PP) e Ronaldo Lessa (PDT) (veja quadro). O destino deles deve ser o mesmo de Roriz.
Incertezas sobre desempate – Não bastasse o equilíbrio dos votos, outro fator aumenta o imbróglio: por causa da aposentadoria do ministro Eros Grau, o STF tem hoje apenas 10 integrantes. Em caso de empate de 5 a 5, contabilizados os votos de Ellen e Peluzo, restariam quatro hipóteses. Os próprios ministros se dizem incertos sobre a opção a ser adotada.
Na primeira delas, Cezar Peluso votaria uma segunda vez. Problema: seriam seis votos, mas apenas cinco ministros, o que não constitui a maioria exigida pela legislação. A segunda hipótese seria considerar um princípio consagrado pela corte: em caso de empate, a lei questionada continuaria em vigor. Uma terceira opção seria a convocação extraordinária de um ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o que já ocorreu em outras ocasiões. Quarta hipótese: o STF aguardaria a nomeação de um 11º ministro, o que só deve ocorrer depois do pleito de outubro.
Ricardo Lewandowski, que também é presidente do TSE, acha que um voto duplo de Peluso não é a solução: “Eu entendo que o voto de minerva só pode ser dado em matéria infraconstitucional, o que não é o caso”, disse ao site de VEJA. O ministro, defensor da Lei da Ficha Limpa, acredita que a medida tem de ser validada em caso de empate. Ou seja: Roriz estaria fora da disputa.
Nem mesmo Celso de Melo, o decano da corte, tem certeza sobre o que o ocorreria em caso de empate. Ele encomendou um estudo à sua assessoria sobre o tema. A dúvida gira em torno da manutenção da lei em caso de equilíbrio nos votos “A questão é saber se esse princípio é compatível com a legislação”, afirmou ao site de VEJA.
Independentemente da solução para o potencial impasse, é certo que alguns casos de fichas-suja serão decididos apenas depois das eleições. Mas o julgamento de Roriz vai diminuir a incerteza sobre a situação dos candidatos impugnados com base na nova legislação. Incerteza que prejudicou o próprio Roriz: desde que teve o registro negado pelo Tribunal Regional Eleitoral e, posteriormente, pelo TSE, ele vem caindo nas pesquisas. No atual cenário, perderia no primeiro turno para o petista Agnelo Queiroz.
Perguntas – No julgamento desta quarta, a corte vai ter de se pronunciar sobre três questões centrais da Lei da Ficha Limpa: ela já vale para este ano? A medida tem efeito retroativo? A lei não fere a presunção de inocência - princípio constitucional que diz que ninguém é culpado até decisão final da Justiça - por se aplicar a processo ainda não julgados em última instância?
O primeiro questionamento decorre do artigo 16 da Constituição, que define: “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência". Para o jurista Walter Costa Porto, ex-ministro do TSE, essa norma já bastaria para invalidar a lei. “A Constituição de 1988 terminou com o mau costume de se criar uma lei a cada eleição”, opina.
A segunda indagação leva em conta o fato de que a lei não pode retroagir para punir a quem quer que seja. Mas o entendimento majoritário no TSE é o de que a Lei da Ficha Limpa não pune os candidatos, somente estabelece critérios mais rígidos para o registro da candidatura. “Não há comprometimento do princípio da irretroatividade. Ela apenas permite à Justiça Eleitoral verificar o preenchimento das condições de elegibilidade”, afirma o professor da Universidade de Brasília Nicolao Dino, especialista em direito eleitoral.
O terceiro questionamento é de caráter constitucional: a Lei da Ficha Limpa iria de encontro à presunção de inocência, já que torna inelegíveis candidatos cujo processo ainda não chegou à última instância. Este argumento tem sido menos usado pelos advogados do que os dois primeiros.
Qualquer seja o resultado, o julgamento desta quarta-feira será emblemático. Não por acaso, o tema deve gerar mobilizações dos dois lados: manifestantes a favor da Lei da Ficha Limpa e partidários de Joaquim Roriz prometem se aglomerar à frente do Supremo Tribunal Federal já no início da tarde desta quarta.
Veja abaixo quem está de olho e pode ser afetado pela decisão do STF: